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Calmaria em meio ao furacão: o legado de Charlie Watts

O legado de Charlie Watts já é motivo suficiente para receber um texto especial, devido à sua longevidade frente a uma das bandas mais icônicas dos últimos anos. Os Stones já haviam anunciado a retomada da turnê para 2021, interrompida pelo cenário pandêmico. Devido a uma cirurgia de emergência, o baterista não cairia na estrada, mas, segundo notícias, ainda mantinha o bom humor. Steve Jordan, batera e amigo da banda, assumiria as baquetas para que, em 2022, os 60 anos do grupo fossem celebrados.

Fãs aguardavam ansiosos por um momento em que poderiam ver Charlie Watts ao vivo novamente, para reviver momentos épicos de aplausos e sorrisos tímidos. Juntos, banda e fãs, desenharam caminhos nada lineares para o rock and roll e construíram um marco para próximas gerações, repleto de música e elegância.

Na terça-feira (24), o mundo reagiu e lamentou sua partida. Os Rolling Stones perdem um de seus principais integrantes e segue rumo a um futuro de incertezas.

A antítese de um rockstar

Elegante e um gentleman, Charlie Watts raramente se viu envolvido em polêmicas e fugia do estereótipo de rockstar, sempre afastado dos holofotes. E olha que as companhias podiam ser tentadoras (!), não bastasse a irreverência de Mick Jagger e Keith Richards lado a lado por meio século. 

Mais do que ditar o ritmo, ele foi a base, a calmaria e a segurança para um quarteto tão cheio de energia. Sem perder a compostura por detrás dos tambores de sua bateria, levava detalhes do jazz no jeito de tocar, se vestir e viver a vida. Sempre com poesia, precisão e estilo próprio – uma verdadeira rocha, como definido por Sir Paul McCartney. 

Sua performance era preciosa e reconhecida pelo público, que o ovacionou sem hesitar, mesmo quando chamado de “Rainha da Bossa Nova”.

Além desse episódio, fica memorável sua reação tímida, e igualmente carismática, ao ser aplaudido durante vários minutos no Maracanã, em 1995. 

Do jazz ao estrelato sem excessos: o legado de Charlie Watts

Cerca de quatro anos antes de ser um Stone, Charlie tocou na Jo Jones All Stars, uma banda de jazz de Middlesex. Já em 1961, em meio à transição para o rhythm and blues britânico, assumiu as baquetas da Blues Incorporated.

No novo emprego começou a experimentar a cena musical de Londres, tocando no Ealing Club. Lá, foi convidado de maneira despretensiosa para ingressar nos Stones, sem promessas de sucesso ou de pagamento. Após o convite aceito, em 1963 ele integrava como baterista e permaneceria ao longo da vida, trazendo influência do blues e jazz.

Sua técnica, sem grandes excessos – longe de ser simplória – o levou a ser considerado como um dos maiores bateristas de todos os tempos. Devido a isso, foi introduzido ao Rock and Roll Hall of Fame como um dos membros da banda, em 1989. Trabalhando em carreira solo, produziu uma discografia com 10 álbuns, em sua maioria voltados para sonoridade do jazz e blues.

Embora suas influências se originavam de um outro estilo, é presente no legado de Charlie Watts a construção de uma identidade própria para os Stones. Uma percussão marcada por caixas mais secas, batidas “estraladas” e tempos bem marcados, como na canção All Down the Line ou Flip The Switch. Outra característica era o uso modesto do instrumento, sem grandes kits e em diversas vezes usando apenas um tom, o que não afetava a grandiosidade de sua sonoridade.

Por fim, não podemos esquecer a forte ligação dele com as artes plásticas e com o design. Sempre com ótimas ideias, contribuía não só para a construção de canções, mas para o visual dos palcos durante as turnês. 

O silêncio da bateria

Um lord em sua essência, um artista em atividade, a discrição personificada, resistência e contradição em pessoa. Revisitar suas obras serão sempre uma maneira de celebrar e provar que o legado de Charlie Watts continua, mesmo com a bateria em silêncio. Aprender a tocar suas músicas é uma maneira justa e honrosa de estender a história que não precisa – e nem deve – ter um fim. 

Foto de Laryssa Costa

Laryssa Costa

Jornalista, também graduada em Letras e com especialização em Música e Negócios. Amante e pesquisadora da música, viciada em shows e biografias. Escreve para o Cifra Club desde junho de 2021.

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