Ai tristeza!, eu jurei nunca mais cantar o fado. Foi por amor que o calei, por amor ao meu namorado. Que o fado é mau, corrompe a alma com demónios, manjericos, Santo Antónios amores vagos e episódios de faca e alguidar. Ainda para mais é um negócio de direita que esta malta aproveita para se vangloriar. -"Fica aí no teu cantinho!" - diz-me assim, com carinho, meu amor, para não cantar. -"Meu amor, mas o destino não se roga." E fez ouvidos moucos ao que eu fiz jurar. -"Aqui me tens a confessar: -foi apenas o destino que é cruel e pequenino e nos quis vir separar... Ai tristeza!, podem ir ver quebrada aqui já a promessa. E esta voz canta a doer sem fado nem amor. Que resta? O fado não é mau, não é um crime ou um defeito. É um emaranhado de cordões que nos entrelaça o peito e precisa de ser solto. Corre o risco de sufoco quem prende o fado na voz e anda ali com aqueles nós a apertarem na garganta. É mais rico quem o canta; pobre, quem lhe dá prisões. Tu e eu não somos dois... Meu amor, tens de pensar que isto é pegar ou largar, são estas as condições: tu e eu e as canções. Um peito que canta o fado tem sempre dois corações!