Especial rock autoral: os 10 anos da banda Selvagens À Procura de Lei
O pop rock que em do Nordeste é um dos capítulos mais interessantes da cultura brasileira. Longe das grandes gravadoras e de toda pompa e circunstância dos grandes meios de comunicação do eixo Rio/São Paulo, a cena nordestina materializa o famoso “faça você mesmo”, lema do punk.
Desde que surgiu na cidade de Fortaleza, no ano de 2009, a banda Selvagens À Procura de Lei [SAPDL] vem se firmando como um dos expoentes desse rolê. No texto de hoje, o papo gira em torno dessa carreira tão exemplar. Com bastante música, cifras, vídeos e fatos, celebraremos os 10 anos de atividade do quarteto.
No final do post, você terá motivos para colocar mais um nome aí na sua lista de artistas admiráveis. Além do mais, definitivamente, não haverá mais espaço para pensar na falácia que é essa suposta decadência do rock nacional que tanto anunciam por aí.
SAPDL: membros, influências e feitos
Formada por Gabriel Aragão (vocais e guitarra), Rafael Martins (vocais e guitarra), Caio Evangelista (baixo) e Nicholas Magalhães (vocais e bateria), a Selvagens À Procura de Lei bebe nas fontes de artistas inventivos e à frente do próprio tempo. Por essas e outras, com bastante originalidade, o som da SAPDL apresenta influências de artistas do calibre de Daft Punk, Tame Impala, Gilberto Gil, Belchior, Beatles e Pink Floyd.
Em uma década de carreira os SAPDL colecionam feitos incríveis: trouxeram o discurso político de volta ao rock nacional em 2013 com o single Brasileiro, faixa que mostrou a banda a um público maior. Figuraram na lista de melhores músicas de 2016 da Rolling Stone Brasil, com o single Tarde Livre. Já em 2017, com o clipe Guetos Urbanos, a banda mostrou ao mundo a comunidade cearense do Titanzinho, berço do surf local. Em 2018 se apresentaram na Argentina, onde gravaram o clipe Gostar Só Dela. Também foram eleitos pela Revista Exame uma das cinco bandas que estão mudando a música brasileira.
Rock brasileiro entra em campo na Copa do Mundo
Na Copa do Mundo 2018, que rolou na Rússia, a banda fez parte da ação Brasil Music Exchange (BME), iniciativa que levou apenas 12 artistas para representar a música brasileira no país sede do evento. Naquele mesmo ano, voltaram pela segunda vez ao palco do Lollapalooza Brasil. Fizeram um show especial com estimativa de público de 20 mil pessoas no festival Maloca Dragão, em Fortaleza, onde gravaram um registro em vídeo ao vivo e o lançaram em fevereiro de 2019 como: Selvagens à Procura de Lei Ao Vivo na Maloca Dragão.
Em setembro de 2019, foi a primeira banda cearense e uma das únicas bandas do Brasil a doar um item para a memorabília da Hard Rock Cafe. O objeto em questão é o capacete escafandro que estampa a capa do primeiro disco, Aprendendo a Mentir, lançado em 2011.
Ainda naquele mês, a banda lançou a faixa Intuição, primeiro single do disco Paraíso Portátil, o quarto álbum de sua discografia. O videoclipe dessa música foi gravado em Quixadá, sertão cearense. Em outubro, o quarteto fez show em um dos palcos do Rock in Rio, o maior festival de música do mundo. Rock in Rio. Dois dias antes lançaram Sem Você Eu Não Presto, o segundo single do disco Paraíso Portátil.
Agora que você já curtiu algumas músicas e conheceu um pouco mais sobre a banda, que tal fazer um som? A página da SAPDL no Cifra Club está atualizada e completinha. É só você selecionar a música, deixar o vídeo rolar e desembolar os acordes.
Entrevista com a banda Selvagens À Procura de Lei
Entre um corre diário e outro, o baixista Caio Evangelista deu uma pausa e topou bater um papo com este que vos escreve. Na conversa, sempre sincerão, Caio falou sobre carreira, referências e cenário de rock autoral no Brasil. A seguir, você confere a íntegra da entrevista.
Em primeiro lugar, parabéns pelos 10 de estrada, sempre fomentando a música autoral! Quais são as diferenças entre as cenas independentes de 2009 e a atual?
Caio: Obrigado pelas felicitações, 10 anos é um tempo bastante simbólico, completando uma década de atividade. Nesse período vimos o mercado independente se transformar e tivemos que nos moldar nessas mudanças. Em 2009 o sonho de toda banda que estava começando era conseguir um espaço na MTV, canal que fez muitos artistas terem a primeira oportunidade de aparecer em grandes mídias, mostrando seu som e sua imagem através dos clipes.
Em 2013, quando mudamos para São Paulo, participamos de duas grandes transformações dessa cena: a festa de despedida da MTV Brasil no formato que era até então, com sua última transmissão e, a festa de inauguração do Spotify Brasil, plataforma onde hoje nosso público mais escuta nossas músicas. Esses dois episódios dão um bom exemplo do quanto a cena musical vem se transformando no Brasil e no mundo. Hoje temos contato direto com nosso público através das redes sociais, financiamos dois discos através de crowdfunding, coisas que eram impensáveis em 2009.
Qual o sentimento de vocês quando ouvem por aí pop rock nacional “já era”?
Caio: O discurso de que o rock morreu nos acompanha desde o início da nossa carreira. Quando começamos, ouvíamos as pessoas questionarem sobre as dificuldades de se fazer rock na terra do forró. Acredito que a boa música quebra a barreira dos estilos. As pessoas sempre estarão interessadas em músicas que as faça se identificar.
Ouça o rock Selvagens À Procura de Lei no Palco MP3
Nunca assumimos rótulos, pois gostamos de nos sentir livres para criar o que vem de dentro, sem preconceitos com qualquer tipo de sonoridade ou ritmo. A cultura brasileira é mistura. E como resposta a essa frase de que o rock morreu, sempre ficamos felizes quando lembram dos Selvagens como uma banda de rock da nova geração. O rock brasileiro marcou gerações com bandas e artistas que nos influenciam até hoje. Despertar essa lembrança em nas pessoas é um motivo de orgulho para toda a banda.
Muita gente, inclusive veteranos – como o Dinho Ouro Preto – comentam que a turma do pop rock poderia ser mais unida. Como é a relação da SAPDL com outras bandas?
Caio: Conhecemos várias bandas que vem desenvolvendo sua carreira em paralelo com os Selvagens. Com várias já fizemos participações em músicas, vídeos para YouTube e shows em parceria, assim como a convivência de amizade em São Paulo.
Acredito que existem várias bandas unidas, fica nítido quando se está em festivais, melhor local de encontro. As dificuldades de se produzir mais em parceria que deveria ser o foco da questão assim como a dificuldade que existe hoje de se realizar festivais voltados para música alternativa, onde acontece a mistura de público.
Falando um pouco sobre o novo disco, Paraíso Portátil assume um tom confessional e, de certa forma, se aproxima do ouvinte. O processo de composição das letras foi diferente em relação aos trabalhos anteriores?
Caio: O processo de composição foi bastante diferente do Praieiro, antecessor do Paraíso Portátil. Esse tom confessional está na raiz das composições do álbum, como opiniões pessoais sobre temas íntimos. O Praieiro foi escrito muito em conjunto, o Paraíso Portátil de forma mais individual.
O que nos surpreendeu foi quando juntamos as músicas que cada um vinha escrevendo e percebemos que, mesmo escrevendo cada um em seu espaço, os temas eram semelhantes, apesar das formas de escrever e interpretar fossem diferentes. Para mim, o Paraíso Portátil rendeu uma boa reflexão sobre nossas vidas modernas, passagem do tempo, escolhas que tomamos, tristezas e alegrias que sentimos durante todo o caminho.
Ainda sobre Paraíso Portátil, é inevitável perceber que é a sonoridade está mais contemporânea. A banda pretende seguir mais nessa linha modernosa ou ainda é cedo para spoilers?
Caio: Ainda é cedo para pensar no que virá pela frente. Agora estamos focados em levar esse trabalho para todo o Brasil numa grande tour. Porém, não gostamos de fechar portas que abrimos, então, o caminho de soar mais moderno está aberto para os Selvagens. Espero que nosso leque de influências só cresça e que sigamos mantendo viva a frase de Belchior: “o novo sempre vem”.
Gustavo Morais
Jornalista, com especialização em Produção e Crítica Cultural. Pesquisador independente de música, colecionador de discos de vinil e mídias físicas. Toca guitarra, violão, baixo e teclado. Trabalha no Cifra Club desde novembro de 2006.